EXPEDIENTE Nº 7381
Projeto de Lei Nº 441

OBJETO: "Disponibilizar em site oficial, página de transparência em relação a todas as doações que chegam ao munícipio."

PARECER JURÍDICO

Quanto à iniciativa,  entendo que a matéria é comum,  não se inserindo dentre aquelas que a Constituição Federal estabeleceram reserva à  iniciativa.  Portanto não há vício de iniciativa na proposição.  Ademais,  o município já mantém ativo o site da transparência,  razão pela qual entendo que não está ultrapassado o limite da intervenção mínima.

A matéria em análise se amolda àquelas nitidamente de interesse local - hipótese do art. 30, inc. I da CF,   e art. 11, inciso XXX da LOM.  Portanto,  sem muitas delongas o projeto é materialmente constitucional.

Entretanto o projeto incide em inconstitucionalidade substancial,  isso porque autoriza o Poder Executivo a criar um departamento específico para viabilizar a matéria preconizada no projeto.  Ora,  a criação de departamento (órgão de governo) decorre única e exclusivamente de lei - inteligência do art. 152, inc. XXIII da LOM.   Portanto a criação de "departamento" decorre de lei e não de autorização.

Ademais,  a norma autorizativa na espécie caracteriza desvirtuamento do poder autorizativo concedido pela Constituição ao Poder Legislativo.   Ocorre que a própria Constituição estabelece quais os projetos que se revestem de natureza autorizativa, como por exemplo os projetos que autorizam viagem do chefe do executivo,  que autorizam criação de crédito especial ou suplementar, etc.   

Entretanto,  no caso específico desse projeto essa natureza autorizativa constituem-se mera sugestão ao Chefe do Executivo,  já que não possuem carga executiva. Nesse sentido são inconstitucionais e injurídicos.   Veja-se que o Vereador sabe que não pode ter a iniciativa de criação de órgão de governo,  no entanto procura utilizar-se de um subterfúgio "autorizativo" para com isso estabelecer uma espécie de vinculação.  Ora,  para tanto o processo legislativo disponibiliza aos parlamentares a INDICAÇÃO como meio de instrumentalizar a proposição.

Os projetos de lei meramente autorizativos constituem na verdade mera sugestão ao Poder Executivo e, por isso, são inconstitucionais e injurídicos, por tratarem de matéria cuja iniciativa é privativa do Chefe do Executivo e por não conterem um comando obrigatório, nada acrescentando ao ordenamento jurídico.

Veja-se que em razão da recente enchente de maio/2024 o Prefeito estabeleceu parceria com a empresa Taurus para viabilizar coleta e distribuição de doações.  O Prefeito não carece de autorização para tal ato.

Vejamos o que diz a doutrina especializada:

“(...) insistente na prática legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa  é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos  que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização -  por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (Sérgio Resende de Barros. “Leis Autorizativas”, in Revista da Instituição Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov 2000, p. 262).

A lei que autoriza o Poder Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo, portanto, inconstitucional. E sendo autorizativa “por lei”,  na verdade acaba vinculando o poder executivo – ofendendo assim o princípio republicano da separação das  funções do Estado.

Cabe destacar que a lei autorizativa é distinta da autorização legislativa, esta última aplicável nas hipóteses dos arts. 34, inc. I e  110, inc. III da LOM – citados por amostragem.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, dentre outros, vem afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas, forte no entendimento de que essas “autorizações” são mero eufemismo de “determinações”, e, por isso, usurpam a competência material do Poder Executivo.  Vejamos:

“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.  (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007).

Para afastar a hipótese de jurisprudência isolada,  dentre outras, transcrevemos o seguinte aresto:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ERECHIM. LEI MUNICIPAL DISPONDO SOBRE A POSSIBILIDADE DE PAGAMENTOS A EMPRESAS QUE MANTÊM CONTRATOS PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CONTINUADOS COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE ERECHIM, DURANTE A VIGÊNCIA DE DECRETO MUNICIPAL E/OU ESTADUAL QUE DECLARE ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA EM ERECHIM, EM DECORRÊNCIA DO COVID-19. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. As normas autorizativas também estão sujeitas ao controle concentrado de constitucionalidade. 2. A Lei - Erechim nº 230, de 30JUL2020, padece de vício formal na medida em que o Poder Legislativo invadiu a seara de competência do Poder Executivo Municipal, pois afronta dispositivos constitucionais que alcançam ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa para editar leis que disponham sobre as atribuições da administração municipal, especialmente no que se refere à possibilidade de pagamentos a empresas que mantêm contratos para prestação de serviços continuados com a Administração Pública do Município de Erechim, durante a vigência de decreto municipal e/ou estadual que declare estado de calamidade pública em Erechim, em decorrência do Covid-19. 3. Verificada a ocorrência de vício de inconstitucionalidade formal e, consequentemente, afronta aos arts. 8º, caput; 10; 60, II, “d”; e 82, III e VII, todos da CE-89, o que autoriza o manejo da presente ação direta de inconstitucionalidade. PRELIMINAR REJEITADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE.(Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70084459999, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em: 14-12-2020)

 

CONSTITUCIONAL ADIN - LEI Nº 2.111 DE 28/06/2001 DO MUNICÍPIO DE CONCEIÇAO DA BARRA - AUTORIZAÇAO AO EXECUTIVO PARA CONCESSAO DE BOLSAS DE ESTUDO - ALUNOS CARENTES DE ENSINO MÉDIO PROFISSIONALIZANTE E SUPERIOR - INFRINGÊNCIA DE À CARTA ESTADUAL (ARTS. 63, III, 173, E 154, I E II) - LEI MERAMENTE AUTORIZATIVA - INCONSTITUCIONALIDADE MANTIDA - ATIVIDADE LEGISLATIVA QUE INVADE A ESFERA TÍPICA DA ADMINISTRAÇAO PÚBLICA - ATOS QUE INDEPENDEM DE QUALQUER OUTORGA LEGISLATIVA - VÍCIOS DE INICIATIVA (FORMAIS) POR OFENSA À COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO - VÍCIO MATERIAL - CARTA ESTADUAL (173 e 174) - PRIORIDADE PARA O ENSINO PÚBLICO FUNDAMENTAL E PRÉ-ESCOLAR - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1 - Lei Municipal nº 2.111 de 28/06/2001, de Conceição da Barra/ES, que autoriza o Poder Executivo a conceder bolsas de estudo a alunos carentes que fazem curso técnico profissionalizante no segundo grau ou curso superior. 2. ADIN em que se impugna o diploma legal em referência por ofensa aos arts. 63, III(IV), 173, e 154, I e II da Constituição Estadual, dispositivos que tratam, respectivamente, da competência legislava privativa do Chefe do Executivo para dispor sobre a organização e as atribuições da Administrativa, da atuação prioritária dos Municípios no ensino fundamental e pré-escolar e da necessidade de prévia dotação orçamentária suficiente e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias. Procedência. 3 - Segundo precedentes do STF, o fato de a lei impugnada ser meramente autorizativa não lhe retira a característica de inconstitucionalidade, que a desqualifica pela raiz quando invade a esfera a administrativa alcançando atos ligados à atividade típica da Administração Pública. 4. Vício formal que decorre da  violação  da  iniciativa  privativa para  tratar da  matéria  referente  à  organização e atribuições do Poder Executivo e porque sua regulamentação admite o tratamento mediante a expedição de simples decretos, além de implementar programas sem estabelecer recursos para sua concessão. 5. O diploma legislativo impugnado também afronta, materialmente, a Carta Estadual, tendo em vista que essa, em seus arts. 173 e 174, estabelece que os entes municipais atuarão prioritariamente no ensino público fundamental e pré-escolar e, na espécie, as bolsas de estudo beneficiam categorias de alunos de segundo grau e superior e, inclusive, de escolas privadas. 6. Julgado procedente o pedido de inconstitucionalidade “...  TJ-ES - Ação de Inconstitucionalidade 100010012076 ES 100010012076 (TJ-ES) 30/10/2007.

Portanto o projeto é substancialmente inconstitucional.

Contudo,  caso superada a questão relativa a inconstitucionalidade,  no enfrentamento do  mérito,   entendo que o projeto expõe uma série de ilegalidades e antiregimentalidades.

Inicialmente refiro que falta clareza ao projeto,  ferindo assim o disposto no art. 79, §2 do Regimento Interno.  Com efeito,  a proposição é genérica ao referir que "todas as doações que chegam ao município" devem ser informadas no site transparência.  

Primeiro,  nem todas as doações que chegam ao município (concepção geográfica) são destinadas ao município (pessoa jurídica). Veja-se que na recente enchente de maio/2024 o grande volume de doações circulou no município através de ações de solidariedade entre entidades não governamentais.  Portanto o projeto é obscuro nesse aspecto,  ou de incontestável inexequibilidade.

Segundo,  as doações recebidas pela defesa civil,  apesar de estarem na posse do Município,  necessariamente não ingressam no patrimônio do município,  de forma que o Município através da Defesa Civil, Assistência Social e demais órgãos vinculados no plano de contingência apenas prestam o serviço de logística e distribuição nos termos do que já compõe o plano de contingência municipal.

Terceiro,  o Município não possui um "Centro de Distribuição",  muito embora a empresa Taurus em parceria com o Município,  tenham concentrado esforços logísticos - a Taurus com cedência de depósito,  e o Município com  destinação de gestor.  O  "Centro de Distribuição" citado na norma na verdade é um ente despersonificado, viabilizado de forma temporária de acordo com ações previstas no plano de contingência do município.

Opino pela inconstitucionalidade substancial do projeto.

Assim,  de acordo com o previsto no art. 58, §2º do Regimento Interno,  devolvo o expediente ao proponente para que providencie o que entender de direito. 

São Leopoldo, 18 de Junho de 2024.

   Jefferson Oliveira Soares.´.

Consultor Jurídico.

   

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